Ao falar sobre a potência da mulher, a entrevistada da vez desperta um sentimento de pertencimento fundamental e lança luz à mulher negra que enfrenta desafios e dificuldades posta por uma sociedade que impõe barreiras para que mulheres como ela,  não ocupem espaços que lhes são de direito.

A defensora pública do Rio Grande do Norte, Lydiana Ferreira Cavalcante, encontrou na carreira de defensora pública o caminho para proteger e amparar uma parcela da população marcada pela vulnerabilidade social e desigualdade racial.

Dados mostram que 54% da população brasileira é negra ou parda e aponta que a desigualdade de cor ou raça/etnia está presente em variados contextos da sociedade e, inclusive, na esfera do sistema de justiça. Durante toda a história, mulheres negras são as mais afetadas pela estrutura racista do país, ocupando minimamente ambientes de liderança e cargos de chefia.

Lydiana é defensora pública negra e representa o grupo racial minoritário da DPERN. Além disso, é mãe. Ao ser entrevistada, ela falou sobre toda a rede de apoio fundamental para sua formação profissional, sobre sua jornada de luta e apoio às pessoas vulnerabilizadas e sobre sua compreensão como mulher, mãe e negra, fazendo parte do grupo que representa majoritariamente do Brasil.

Confira a entrevista de uma mulher negra, seus desafios, conquistas e lutas!

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Há quanto tempo você é defensora pública e porque você escolheu a carreira? Como você acha que as questões de raça e gênero permeiam o seu cotidiano enquanto defensora pública?

Sou Defensora Pública há cerca de 05 anos. Em 2018, assumi como Defensora na Paraíba e em 2021, como Defensora no Rio Grande do Norte. Escolhi esse cargo, porque dentre todos os cargos do sistema de justiça, esse é o que mais se aproxima da população, nos colocando sempre em um lugar de escuta e em uma posição ativa de transformar a realidade social de pessoas marginalizadas, que não conseguem acessar os direitos básicos que aprendemos ser para todos.

Para mim, a questão que envolve raça e gênero que mais me chama atenção enquanto Defensora Pública, sem dúvida é a constatação diária daquilo que vemos nas inúmeras estatísticas que demonstram o quanto o nosso país ainda é misógino e racista. É impactante quando percebo que o nosso público-alvo, referente a população hipossuficiente que tem direito a acessar nossos serviços, é em sua maioria formada por negros e mulheres.

A grande maioria dos nossos atendimentos envolvem questões de pensão alimentícia, por exemplo, são mães solos negras. Quando vamos ao presídio, atuamos em audiências de custódias ou em outras áreas na seara criminal, nos deparamos majoritariamente com assistidos em sua maioria pretos e pardos. E isso me gera um olhar crítico, já que, quando olhamos na outra ponta, sob um viés institucional, constatamos também que as estatísticas, de fato, é um recorte real da sociedade em que vivemos, pois sou a única Defensora Pública mulher e negra em um universo de 102 outros cargos.

Do mesmo modo, isso também se repete em outras carreiras jurídicas, principalmente aquelas que ainda não adotou uma política de cotas raciais. Já me deparei com situações infelizes em que fiz júri em que as únicas pessoas negras na sessão era eu e o acusado, o que gera vários sentimentos negativos, principalmente a necessidade de constante luta para demonstrar a capacidade de ocupar esses lugares de posição de poder.

 

Além das questões anteriores, como você vê as dificuldades de trabalhar e maternar no serviço público, e que medidas você considera relevantes para a implementação de políticas de valorização da maternidade na Defensoria Pública?

Eu acho que o mais difícil para mulher é não se culpabilizar pelo fato de não estar presente diariamente no crescimento e desenvolvimento dos filhos por estar estudando, trabalhando ou buscando uma melhor posição na carreira profissional. Porque culturalmente, internalizamos que é função da mulher de cuidar da casa, do marido e dos filhos e quando não conseguimos fazer quaisquer uma dessas funções em sua completude (o que acontece sempre), naturalmente a culpa permeia nossos pensamentos.

Acredito que a pandemia trouxe inúmeros instrumentos que podem facilitar a possibilidade do trabalho remoto para garantir horário especial para as mães (defensoras e/ou servidoras) no primeiro ano de vida do filho, que demandam mais atenção e cuidados, além da criação de um canal de diálogo institucional para aquelas mães que necessitam de apoio psicológico e suporte para que tenha condições de trabalhar e criar seus filhos.

 

Que mensagem você deixaria para mulheres negras e mulheres mães que têm o sonho de alcançar um cargo público?

Nunca desistam. Por mais difícil que pareça, pois a preparação de um concurso exige tempo e dedicação para os estudos. Quando eu comecei a estudar para o concurso da Defensoria Pública, eu já tinha um filho com 2 anos.

Eu tive uma rede de apoio muito grande de minha família (mãe, sogra, marido), escola e amigos (as) que me ajudaram nesse processo longo de preparação, aprovação e nomeação. Busquem essa rede de apoio, para tornar esse processo possível e só parem quando a nomeação sair, porque neste dia, todas as renúncias e a dedicação terão valido a pena.